As Toleradas da Póvoa de Varzim, título de um livro de edição municipal escrito por Celeste Coelho e Roberto Martins, foi o ponto de partida de nova edição de “À quarta (h)à conversa”, ontem, 17 de Fevereiro, no Arquivo Municipal.
O livro, editado em 2008, é o resultado de um estudo científico elaborado no âmbito da conclusão da licenciatura em História e faz um retrato da prostituição legalizada na Póvoa de Varzim, entre 1871 e 1950.
Os autores do livro explicaram, na sessão de ontem, que se serviram de várias fontes para o estudo, algumas delas conservadas no Arquivo Municipal, como os Livros de Matrículas das Toleradas, as Actas da Câmara Municipal ou os registos de entradas e saídas do Hospital. Estudaram também os códigos administrativos, os Arquivos do Registo Civil e recolheram testemunhos orais.
Desse trabalho, partilharam alguns resultados com a assistência, utentes da Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Varzim. Assim, explicaram que o Livro de Matrículas das Toleradas era um registo, obrigatório para quem se dedicava à prostituição, onde constavam dados biográficos e físicos das “toleradas” e ainda a “patroa” a quem pertenciam. Neste Livro de Matrícula eram escritos os resultados das inspecções sanitárias, obrigatórias uma vez por semana. Para além do Livro de Matricula, as “toleradas” eram portadoras de uma Cédula de Polícia Sanitária, que deviam ter sempre consigo, onde constavam os resultados das inspecções sanitárias.
Celeste Coelho e Roberto Martins chegaram ainda à conclusão que, num período inicial da prostituição na Póvoa de Varzim, as “toleradas” eram provenientes de outras zonas do país e chegavam por alturas do Verão, partindo antes do Inverno. Tinham entre 18 e 25 anos, quase todas eram solteiras, a maior parte analfabeta e com profissões humildes, como criada de serviço ou costureira. As “patroas” eram antigas prostitutas e pagavam um imposto. Os autores do trabalho contaram ainda que desconfiam que muitas destas patroas tinham “redes angariadoras”, seduzindo raparigas da província com promessas de emprego e colocando-as depois nos bordéis ou “colégios”.
Com o passar dos anos, a prostituição deixou de ser um fenómeno sazonal e os “colégios” mantinham-se abertos ao longo de todo o ano. Muitas da prostitutas eram já naturais da Póvoa de Varzim.
“Vítimas de uma sociedade que as usava mas não as protegia”, as prostitutas estavam mais expostas a doenças. De tal maneira que o Estado se preocupava com a profilaxia social, chegando mesmo a criar vários panfletos de sensibilização. As doenças sexualmente transmissíveis ou a tuberculose atingiam estas mulheres. Muitas delas sofriam de doenças não identificadas na altura, provocadas por abortos clandestinos, muitos realizados com recurso a mezinhas caseiras que podiam levar a hemorragias fatais. “Eram mulheres que só podiam contar com elas próprias”, contou Roberto Martins. Mas mesmo assim, as “toleradas” de tudo faziam para se igualarem às outras mulheres. Andavam limpas, eram educadas, vestiam-se com decoro na rua.
A prostituição na Póvoa de Varzim encontra o seu expoente no século XIX, quando a Póvoa de torna o “coração da Costa Verde”, um centro turístico devido às praias e ao Casino, sucesso turístico esse que se deve também à ligação ferroviária que ligava ao Porto. Encarada como um “mal necessário”, a prostituição colocava alguns problemas, como por exemplo a localização dos “colégios”. Entre as autoridades, havia a noção que estes deviam ficar perto “mas longe da vista”.
Com a chegada do Estado Novo, surge a questão moral e as mulheres são encaminhadas para instituições ligadas à Igreja, onde podiam aprender novas profissões. Em 1942 são proibidas as novas matrículas, sendo que a prostituição continuava a ser legal para as mulheres já matriculadas. Em 1962 é proibida por completo e em Novembro desse ano assiste-se, na Póvoa de Varzim, ao desaparecimento dos “colégios”. A prostituição entra na clandestinidade.
No final do livro, mais do que uma conclusão, os autores optaram por publicar várias histórias sobre estas mulheres, finais felizes e infelizes. Como a da rapariga que, resgatada pelo pai de um “colégio”, fugiu de casa, de volta ao bordel, trazendo consigo a irmã. Ou a de uma patroa que empregava a própria filha. “Algumas acabavam por encontrar aquilo que procuravam desde sempre, uma casa, um marido, uma família”, contou Roberto Martins, dando como exemplo as histórias de algumas mulheres que acabavam por casar.
Este é o retrato da prostituição da Póvoa de Varzim entre o século XIX e meados do século XX, motivado pelas dificuldades económicas e falta de instrução. Foi mais uma tema tratado no âmbito da iniciativa “À quarta (h)à conversa”, promovido pelo Arquivo Municipal, sempre na terceira quarta-feira de cada mês. Esta foi também a primeira sessão em que o Arquivo recebeu convidados para falar sobre o tema, uma inovação que pretende manter nas próximas sessões. Assim, em Março, no dia 17, o convidado é Armando Marques, que desempenhou as funções de Chefe do Serviço de Turismo da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim entre 1966 e 1987, e que falará sobre o Ciclo Solene e Festivo da Póvoa.
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