Baião, Cultura

Restauro da maior jóia do património de Baião nas mãos de Siza Vieira

A Câmara Municipal de Baião depositou nas mãos de Álvaro Siza Vieira a missão de recuperar a maior jóia do património concelhio: o Mosteiro de Santo André, em Ancede. “O que vou fazer é consolidar a recuperação da estrutura, deixando visíveis as riquíssimas marcas do tempo, não as minhas. O tempo, esse sim, é um grande arquiteto”, declarou, a 24 de Julho, em Ancede, o maior vulto da arquitetura portuguesa aquando da apresentação do estudo prévio da intervenção que ali terá lugar.

A terceira fase do restauro do Mosteiro de Santo André de Ancede tem já assegurada uma verba de 2,3 milhões de euros de fundos comunitários, por via de uma candidatura efetuada no âmbito da Rota do Românico do qual o mosteiro faz parte.Esta intervenção permitirá não só cumprir o sonho de restaurar aquele importante elemento do património concelhio mas, principalmente, colocará Ancede como um ponto de promoção da cultura, da arte e do pensamento.

Demonstrando grande respeito e reverência pela história e pela identidade daquele edifício, Siza Vieira enalteceu o “intenso diálogo” estabelecido entre o seu gabinete e as equipas de arqueólogos que nos últimos anos se têm ocupado do estudo dos elementos patrimoniais que compõem o complexo arquitetónico de Ancede.

“Nesta intervenção vamos refazer as estruturas, a cobertura e definir espaços próprios para as atividades que ali terão lugar, como sejam exposições, conferências ou ateliers”, explicitou o homem que em 1992 recebeu o Prémio Pritzker, o galardão máximo da arquitetura mundial, pelo projeto de renovação da zona do Chiado, em Lisboa.

O Mosteiro de Santo André passará, assim, a estar presente na obra deste arquiteto matosinhense, ao lado de projetos de relevo como o Museu de Serralves (Porto), a Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre, Brasil), o Centro Galego de Arte Contemporánea (Santiago de Compostela, Espanha), os blocos 6,7 e 8 de Ceramique Terrein (Maastricht, Bélgica) ou a Igreja de Marco de Canaveses.

O presidente da Câmara Municipal de Baião, José Luís Carneiro, vincou de forma clara o prestígio e a reputação internacional de que Siza Vieira goza, o que permitirá colocar em evidência o Mosteiro de Santo André e atrair a Baião públicos de todo o país e do estrangeiro. “Este será um projeto de nível europeu e, dada a influência daquilo que se faz na Europa para a cultura e para o pensamento à escala global, este será certamente um projeto de relevo a nível mundial”, observou. O autarca comparou a visão de Siza Vieira sobre a recuperação do património à dos conservadores e restauradores de arte que trabalham com delicadeza e minúcia na conservação dos elementos patrimoniais que nos são legados pelos antepassados – “A missão que nos cabe é a de sermos capazes de cuidar da herança patrimonial que recebemos, preservá-la e legá-la às gerações vindouras, para que elas possam compreender as suas raízes culturais e históricas”.

UM ESPAÇO PARA A CULTURA E PARA O PENSAMENTO

Assumindo que intervir num mosteiro “é algo de particularmente difícil, mas também estimulante, dado que se trata de um dos exemplos máximos de sabedoria na arquitetura”, Siza Vieira propõe intervenções nos dois pisos do mosteiro para Ancede. “Para o rés-do-chão propomos apenas a consolidação das paredes. Este espaço ficará como uma zona de acesso, permanecendo praticamente desocupado e livre de outras funções. No piso de cima iremos criar salas de trabalho e espaços preparados para várias funções, como sejam conferências ou exposições. Este piso irá ainda dispor de uma área para pequenos-almoços e de quatro espaços de alojamento, equipados com casas de banho privativas”, explicitou na sua apresentação Siza Vieira.

Para o edifício designado “Casa dos Moços e Hospedaria”, um espaço contíguo ao mosteiro e atualmente utilizado para a realização de cursos de formação, Siza Vieira propõe a criação de uma cafetaria de apoio a todo o complexo arquitetónico.

José Luís Carneiro referiu que a concretização da terceira fase de restauro do Mosteiro de Santo André não irá colocar um ponto final em todo o trabalho que há a fazer naquele elemento do património concelhio. “Fomos capazes de impedir a venda deste elemento do património concelhio e já investimos muitos recursos na sua valorização. Mas é importante que o Mosteiro de Ancede seja um ponto de consenso entre todas as forças políticas concelhias, dado que todo o trabalho que ainda há aqui a fazer requer um projeto de fôlego e de médio prazo, para 15 ou 20 anos”, contextualizou, lembrando que sempre que ocorrem sondagens arqueológicas no complexo arquitetónico do Mosteiro emergem nos elementos patrimoniais.

Outro grande desafio continuou o autarca, passa por dar vida ao espaço do mosteiro, através de uma aposta contínua na programação e na organização de eventos naquele espaço. Para este objetivo será muito importante a articulação com a Rota do Românico, uma entidade de promoção do património da região do Tâmega e Sousa, que se estende por 12 municípios, desde Paredes a Resende, passando por Castelo de Paiva a Celorico de Basto e da qual fazem parte dezenas de monumentos.

Também o presidente da Junta de Freguesia de Ancede, José Lima, usou da palavra para se congratular pelo privilégio de receber Álvaro Siza Vieira na sua localidade. “É com grande satisfação que vemos que o Mosteiro de Santo André será restaurado de acordo com um projeto da autoria de um arquiteto tão notável. Trata-se de um espaço que marca de forma indelével a vida da nossa freguesia e com o qual todos os ancedenses possuem uma grande afinidade”, observou.

José Lima disse ainda que a reconversão do Mosteiro num espaço de promoção da cultural, do pensamento e das artes traduz a concretização de um sonho que era perseguido há várias décadas. “Desde 2004 que nos opusemos à venda deste espaço a mãos privadas. Depois disso trouxemos uma nova vida ao mosteiro, pusemos a quinta a produzir e defendemos que a recuperação deste espaço fosse feita tendo por base um projeto público, dirigido para as pessoas e capaz de contribuir para o desenvolvimento da nossa vila e para a promoção do bem-estar da nossa comunidade”, concluiu.

INVESTIMENTO PARA VALORIZAR PATRIMÓNIO VISÍVEL E OCULTO

Entre 2005 e a atualidade a Câmara Municipal de Baião investiu aproximadamente 700 mil euros na valorização e qualificação do Complexo Arquitetónico do Mosteiro de Ancede, levando a cabo intervenções como a recuperação da Capela do Bom Despacho (datada de 1731 e considerada um dos mais notáveis exemplares do Barroco do Norte de Portugal) e a consolidação das alas principais estruturas do Mosteiro de Ancede.

Neste período realizaram-se, ainda, várias sondagens arqueológicas no Mosteiro de Ancede e que foram explicitados na sessão de apresentação realizada a 23 de Julho pelas arqueólogas Carla Stockler (Município de Baião) e Teresa Silva (empresa Arqueologia e Património).

Estas especialistas salientaram a importância de as intervenções no Mosteiro decorrerem “como um todo”, quer no plano da arquitetura, quer no plano da arqueologia, pelo que se deve dar continuidade aos estudos de investigação arqueológica de modo a aprofundar o conhecimento sobre o imóvel e sobre a propriedade, condição imprescindível para que a atração turística ocorra.

Nas sondagens arqueológicas foi possível encontrar vestígios como um bolhão de D. Fernando (1367-1383), um “ceitil” de D. Afonso V (1438-1481), mas também exumar já quatro esqueletos correspondendo a 2 crianças e 2 mulheres ou as talhas da despensa referenciada no século XVIII.
O acompanhamento arqueológico em contexto de obra permitiu a realização de um registo fotográfico sistemático das diferentes fases da obra, assim como a identificação e a salvaguarda de diversos elementos arquitetónicos.

As sondagens arqueológicas permitiram já colocar a descoberto parte dos alicerces das arcadas do claustro existente na época moderna.

De realçar ainda o estudo de arqueologia da arquitetura, tendo-se efetuado um registo fotográfico e de desenho de todos os paramentos, o que permitiu à equipa de Arqueologia avançar com uma proposta de evolução para o conjunto, distinguindo as diferentes etapas construtivas, as intervenções modernas dos séculos XVI e XVII e as intervenções realizadas a partir da 2ª metade do século XVIII. Foi também já possível avançar com uma proposta para o que poderia ter sido o Mosteiro medieval, entre o século XII e XV.

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