Demonstrando o carinho e admiração por Matilde Rosa Araújo, a Câmara Municipal da Trofa presta uma homenagem à autora no próximo dia 2 de Abril. De recordar que a Autarquia Trofense consagrou o nome do Concurso Literário Lusófono da Trofa – Prémio Matilde Rosa Araújo à escritora.
A autarquia dedica o ano de 2011 à homenagem a esta escritora e autora “amiga” da Trofa. O dia 2 de Abril, Dia Internacional do Livro Infantil, ficará, por isso, marcado na Trofa, por esta sessão de homenagem a Matilde Rosa Araújo. Assim, pelas 15h30, decorrerá o Descerramento da Placa Toponímica da Rua Matilde Rosa Araújo, na freguesia de S. Martinho de Bougado, na aldeia de Esprela, numa via paralela à EN 104 (Rua Marques de Pombal).
A homenagem continua pelas 16h30, com a atribuição da designação “Sala Matilde Rosa Araújo” à Sala de Leitura Infanto-Juvenil” da Biblioteca Municipal localizada na Casa da Cultura da Trofa.
Na ocasião será ainda inauguração uma Mostra Bibliográfica sobre a autora, seguindo-se a abertura oficial da exposição de ilustração “Um Olhar de Menina” de Marta Madureira, na Casa da Cultura da Trofa e de um espaço que inclui um texto de homenagem à escritora por parte dos Meninos Cantores do Município da Trofa e do escritor valter hugo mãe.
Autora de livros de contos e poesias para adultos, bem como de livros de contos e poesia para crianças, Matilde Rosa Araújo dedicou-se à defesa dos direitos das crianças, tendo recebido o Grande Prémio de Literatura para Crianças, em 1980, pela Fundação Calouste Gulbenkian, e o prémio para o melhor livro infantil “ Fadas Verdes”, em 1996, pela mesma Fundação. Matilde Rosa Araújo recebeu também o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e foi igualmente, distinguida com o Prémio Carreira, da Sociedade Portuguesa de Autores.
Madrinha do Concurso Literário Nacional Conto Infantil, desde 2005, designado agora por Concurso Literário Lusófono da Trofa – Prémio Matilde Rosa Araújo, a autora visitou a Trofa com regularidade para assistir aos vários concertos dos Meninos Cantores do Município da Trofa, que várias vezes interpretaram algumas das suas obras, como “ As Cançõezinhas de Tila” e “Anjos de Pijama”.
A Câmara Municipal da Trofa presta assim, um tributo à autora e escritora Matilde Rosa Araújo, que estabeleceu uma ligação tão próxima com o Concelho Trofense e com as crianças e jovens locais. A homenagem inclui vários momentos, entre eles a já referida publicação de um texto de reconhecimento de valter hugo mãe, um dos novos nomes da literatura portuguesa, que conheceu a escritora justamente na Trofa.
“A mulher que inventou metade das coisas sensíveis
Autor: valter hugo mãe
A Matilde Rosa Araújo inventou, sozinha, metade das coisas sensíveis do mundo. A outra metade, por definição, já havia sido inventada pela natureza. Num certo sentido, a Matilde Rosa Araújo e a natureza são uma completude, assim entendidas pelo lado mais belo possível, como unidas profundamente e de igual modo propensas à maravilha.
Acredito que quem não aprendeu as histórias e os poemas pela mão desta autora, aprendeu pior o que são as histórias e os poemas. A sua delicada benignidade poucas vezes atende outros autores com a mesma perfeição.
Inventei um dia uma personagem cujos cabelos brancos faziam com que se pusesse entre as crianças como um candeeiro aceso. Lembro-me de pensar em como a Matilde Rosa Araújo era dona dessa luz intensa, igual à personagem, um bocado de sol a entrar para dentro das casas que regressava qualquer pessoa a criança. Ela sorria, como se o sol pudesse sorrir, e incidia sobre nós. Acreditem se forem capazes, incidia sobre nós já sem precisar de mais nada para nos impressionar. Eu nunca esquecerei tal sensação.
Tive um sonho no qual alguém me dizia que, sem ela, ia ficar o mundo incapaz de fazer a luz pura, a mais clara, como se a sombra ganhasse terreno e os olhos de toda agente empobrecessem. Foi, na verdade, um pesadelo. E creio que passei a noite inteira numa angústia a ver se encontrava uma forma de pacificar essa completude que parecia perdida, a completude feita entre uma mulher especial e a natureza inteira. Depois, quando acordei, percebi. Estava a claridade toda nos livros, como se abertos pudessem ser os candeeiros acesos, incidindo sempre sobre nós. Sorri. Quando acordei nessa manhã, já eu nos trinta e oito anos de vida, era outra vez apenas um menino, regressado a ser menino porque aprender nunca acaba e o amor mais genuíno fica sempre. Fui abrir-lhe os livros a ver como estavam cândidos, como são cândidos. Pensei na candura e achei que fora feita há milhões de anos para chegar ao tempo da Matilde Rosa Araújo e com ela se consumar definitivamente. Era a candura toda, como toda reunida numa só pessoa por tremenda magia.
As coisas mais apaixonadas surgem-me ao pensamento quando quero falar ou escrever sobre ela. Misturadas com os seus versos, com os seus modos cristalinos de contar, as minhas ideias já são sobretudo uma ternura por ela, essa saudade que também é a celebração da sua pessoa e da sua obra, e que me devolvem ao dia em que a conheci. Tinha de dar beijinhos durante muitos anos à Antónia Serra para lhe agradecer o convite que me fez para estar com a Matilde numa tarde a ouvir o coro dos Meninos Cantores do Município da Trofa. Tinha de lhe dar beijinhos para que entendesse como foi a emoção de falar à mulher que completava a benignidade da natureza. Eu disse à Matilde Rosa Araújo que era uma honra tão grande, o milagre possível, encontrar assim quem tanto nos ofereceu beleza e vontade de viver. E ela respondeu que era para ela, também, um prazer grande conhecer um escritor novo como eu, de quem se falava muito agora e de quem tinha lido uns textos lindos. Quando me sentei, ia chorando por causa daquela generosidade de me ter retribuído o cumprimento, permitindo-me estar ao pé de si como se fôssemos iguais. Emociona-me sempre a generosidade, e eu estava apenas importado com dizer-lhe que era como da minha família porque entrara para os meus dias com a naturalidade das pessoas que amamos no dia a dia.
No fim do espectáculo, os Meninos Cantores do Município da Trofa desceram o palco, ainda cantado, e abraçaram as pessoas na plateia. Abraçaram a Matilde. Não fui só eu quem se emocionou. Emocionaram-se as pessoas quase todas que, entre receberem abraços e estarem ao pé da Matilde, sentiram seguramente como os livros e a música podem resultar na humanização espantosa de cada um.
Pois os livros da Matilde Rosa Araújo vão continuar a humanizar quem por sorte lhes abrir as capas. Vão funcionar sempre como esse lugar de comunhão perfeita entre ser-se gente e planta ao mesmo tempo, a dominar a linguagem e a criar laços entre indivíduos e raízes e até vento. A lição perfeita acerca das coisas mais simples ou mais complexas da vida. Tudo o que há de fundamental para fazer de nós melhores com os outros, e mais felizes.
A mulher que inventou metade das coisas sensíveis agora é de todos. É um património literário e ético que vive intensamente dentro dos livros e do amor que se ganha aos livros e às pessoas. E pelo amor há-de manter-se activa, como um princípio activo de um medicamento bom que tomamos para progredir. Talvez sonhando que, um dia, de um lado nós e do outro a natureza, sejamos também uma completude com a mesma lúcida beleza. A Matilde Rosa Araújo será sempre uma figura materna de todos nós. Para nossa sorte. Para nossa grande sorte. Mesmo quem nunca a viu há-de, ao ler, ter por ela uma saudade assim”.