Santo Tirso, Sociedade

Estado condenado a pagar a Santo Tirso cerca de sete milhões de euros

O Tribunal Constitucional acaba de confirmar a sentença que obriga o Estado Português a indemnizar o Concelho de Santo Tirso em cerca de sete milhões de euros.  Em causa está a criação do Concelho da Trofa que Santo Tirso sempre considerou ilegal e da qual resultaram prejuízos avultados para o concelho tirsense. 

A confirmação desses factos chega agora do Tribunal Constitucional, pelo que, todas as instâncias judiciais – Tribunal de Santo Tirso (1ª Instância), Tribunal da Relação do Porto e Supremo Tribunal – deram razão ao Município de Santo Tirso. 

A Câmara Municipal de Santo Tirso, através do seu presidente, Castro Fernandes, vê assim reconhecida a reclamação que interpôs, em 10 de Dezembro de 2001 (exactamente antes das eleições autárquicas de 2001, sendo Primeiro-Ministro, o engº António Guterres) contra o Estado Português e que, no essencial, diz que no processo, quanto a nós ilegal, de criação do novo Concelho da Trofa, não foram acautelados, por quem de direito, os danos que daí resultariam para Santo Tirso.  

Na primeira sentença, como é do conhecimento público, o juiz havia sido muito crítico para com a Assembleia da República e os partidos políticos (PSD, CDS-PP e PCP) que aprovaram a Lei 83/98 que criou o Município da Trofa, por estes não terem atendido a todas as disposições legais. Saliente-se que, das várias consultas solicitadas, tanto a Câmara, como a Assembleia Municipal de Santo Tirso votaram, maioritariamente, contra a criação do novo concelho.

Ainda, segundo o magistrado e a propósito da Lei 142/85 (art.º 5.º n.º  1), um projecto de lei da criação de novo município deverá obter parecer favorável das Assembleias de Freguesia a integrar o novo município». Acontece que, «a Assembleia de Freguesia de São Romão do Coronado votou desfavoravelmente a sua integração no futuro Município da Trofa, mas, não obstante, a Lei 83/98 veio a integrar essa freguesia no MT, assim se violando a norma acabada de referir; as gentes de São Romão do Coronado foram coagidas a integrar um concelho do qual não queriam fazer parte». Caso fosse cumprida a vontade dos seus habitantes e como esta freguesia não tem confrontações directas com Santo Tirso, porventura, Covelas seria excluída do concelho trofense, e o Concelho da Trofa não poderia ser criado. 

Mais ainda, a citada Lei 83/98 é inconstitucional, porque viola os princípios do Estado de Direito Democrático, na medida em que atenta contra o direito da população de uma freguesia de escolher o seu destino, ou seja, a sua participação numa comunidade e na medida em que a Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da dignidade humana e da vontade popular na construção da sociedade.  

Foi, pois, clara a violação à Lei 142/85 e da CRP no facto da Lei 83/98 não proceder à delimitação territorial do Município da Trofa, com representação cartográfica, e de não discriminar em natureza os bens, universalidades, direitos e obrigações do município de origem a transferir para o novo município, bem como por não enunciar critérios suficientemente precisos para a afectação e imputação ao novo município de direitos e obrigações.  

A Lei 142/85 obriga a que as linhas mestras que deveriam definir o processo (de transferência) das responsabilidades e direitos por parte dos municípios estivessem fixadas antes da criação do novo município, tudo para que não ocorram prejuízos para quem se vê amputado no seu território e estrutura. Daí resultou um quadro de total descontrole, que, por si só, é gerador de graves prejuízos.  

À data da petição inicial (10/12/2001) ainda não estavam definidos os limites dos concelhos, não estavam definidas as obrigações no pagamento de serviços, como lixo e transportes, não tinha sido definido o património, nem as receitas, nem a derrama, nem as taxas, nem os impostos, “nada”.  

Gerou-se uma situação de indefinição, quer a nível da contribuição autárquica, quer a nível da sisa, quer ao nível das receitas e despesas. Concluindo, o autor (Município de Santo Tirso) passou a suportar custos de sobredimensão e perdas de economias de escala.  

Com isso, o Município de Santo Tirso perdeu, não só parte significativa do seu território (cerca de 35%) e da sua população (32%), como manteve os mesmos encargos.  

A capacidade do autor em aceder ou chamar a si grandes investimentos, a capacidade de sensibilizar os poderes públicos ou agentes económicos privados para iniciativas de investimento, a capacidade de endividamento, a capacidade negocial em geral, resultam deste processo seriamente diminuídos, computando-se num conjunto de oportunidades perdidas, inerentes à menor dimensão.  

O autor (Município de Santo Tirso), que já foi o 19.º município a nível nacional em termos de Fundo de Equilíbrio Financeiro, perdeu grande parte da sua capacidade de captar investimentos e receitas, por sua vez geradores de benefícios para o município e para os munícipes. Com a criação do Município da Trofa, Santo Tirso perdeu os valores correspondentes ao património em escolas, jardins-de-infância e respectivo recheio; em vias de comunicação; em infra-estruturas de águas e esgotos; em terrenos e outro património imobiliário e noutros elementos patrimoniais, tudo bens implantados nas oitos freguesias do MT. Por outro lado, suportou gastos em obras inacabadas à data da transição, ou seja na Casa da Cultura e na Feira Mercado, sitas na Trofa; despendeu verbas em estudos e projectos e transferiu a rede de distribuição eléctrica. 

Citando o Juiz, Em contraponto, não se esquece que a criação do MT foi perda gravíssima para o autor, talvez a mais grave infligida a um município na segunda metade do século passado, muito mais grave do que a perda da Amadora por Oeiras, de Vizela por Guimarães (e por outro município limítrofe) e de Odivelas por Loures: e não é só uma perda económica e financeira, ou nem sequer é principalmente uma perda económica e financeira…». 

O Tribunal de Santo Tirso reconhece razão ao Município de Santo Tirso e condena o Estado Português a pagar a Santo Tirso a quantia de 4 942 718 euros, soma que, com os juros devidos, atinge actualmente perto de sete milhões de euros. 

ALGUMAS FRASES DAS TESTEMUNHAS PRINCIPAIS 

CASTRO FERNANDES (presidente da Câmara Municipal) – «…mas juro que nunca nos passou pela cabeça que o PCP iria votar esta deliberação conjuntamente com o CDS e com o PSD, partido ao qual pertencia o autor da proposta o então líder do grupo parlamentar do PSD, o dr. Luís Marques Mendes…» 

«…O PS votou contra. E, porque havia orientações políticas do PS e do próprio Governo no sentido de não se votar a criação do novo concelho, estávamos convictos de que os outros partidos iriam ser mais cautelosos…» 

«…inclusive, já depois da votação na AR tive contactos directos com a Presidência da República alertando para o facto de estar a ser praticado na minha opinião um acto ilegal…» 

EURICO DE MELO (ex-Vice-Primeiro-Ministro) –  «…o Concelho de Santo Tirso, com esta amputação, passou de um concelho de primeira, de primeiríssima, para um concelho de segunda e ainda por cima com muitos riscos, já que ficou com uma economia exclusivamente têxtil em crise estrutural…» 

«…a criação do Concelho da Trofa foi por questões emocionais, não se fizeram estudos prévios, sobretudo, sobre os prejuízos que isso ia causar para o Concelho de Santo Tirso.» 

«A dispersão dos concelhos só tem um sentido político, de bairrismo, de campanário; um bocado em paralelo com o futebol, que só tem jogadores estrangeiros mas continua a ser o Porto e o Benfica e o entusiasmo por isso» 

«Não fui avisado, desconhecia totalmente. Sobre o dr. Luís Marques Mendes, que na Assembleia da República foi o grande defensor da criação do Concelho da Trofa, era deputado, estava no seu papel – mas nunca até hoje trocámos uma palavra.» 

«…Santo Tirso foi muito prejudicado com a criação desse concelho e penso que devia ser compensado.» 

ELISA FERREIRA (Eurodeputada) – «…Santo Tirso passa de um nível digamos de entre os 20 primeiros municípios em termos CEF para o 40º lugar – uma perda importante….» 

«Fafe tem à volta de 50 mil habitantes, Famalicão tem 115 mil, portanto Santo Tirso ombreava em termos demográficos com Famalicão, um bocadinho abaixo de Guimarães, formando um triângulo forte. Quando falamos agora de Santo Tirso estamos a falar de uma realidade que perdeu dimensão e perdeu peso.» 

«Eu penso que há prejuízos de dois tipos. O primeiro é aquele de que estivemos a falar há pouco, perda de influência, perda de capacidade de atracção de investimentos, etc e que resulta da própria decisão e há também uma perda para o país, pelo facto de com esta decisão se duplicarem custos…» 

«…a partição dos municípios e das freguesias na actualidade é um movimento que prejudica claramente o país. Por si só, a Trofa não tinha dimensão crítica para funcionar enquanto município com viabilidade. …É mais pequeno do que freguesias como Ramalde ou Campanhã, no Porto…Não me parece que faça sentido a um país estar a polvorizar-se de concelhos quando ao contrário se devia promover as agregações…» 
 

Os direitos de Santo Tirso – À data da petição inicial, 10/12/2001, o autor (Município de Santo Tirso) confrontava-se em toda a plenitude com a tremenda quebra que lhe foi infligida, num quadro institucional em que não se divisavam soluções para a transferência razoável de direitos e obrigações para o novo ente municipal e com outras indefinições insuportáveis para o autor.  

Por outro lado, foi em vão que alertou em devido tempo a AR para o sério compromisso da sua viabilidade concelhia se amputado das oito freguesias que vieram a integrar o Município da Trofa, conforme deliberação da CMST de 27/05/1998 e de 05/06/1998 (cfr. fls. 97). 

Nota final – Os deputados que votaram favoravelmente a lei da criação do Município da Trofa (PSD, CDS-PP e PCP) sabiam que a mesma era ilegal — foram avisados atempadamente pelo presidente da A. R., Dr. Almeida Santos, de que a lei poderia estar ferida de ilegalidade — e que da sua aprovação resultariam graves prejuízos para Santo Tirso. 

Mesmo assim, numa atitude precipitada e irresponsável, procederam à aprovação da lei. O que quer dizer que se o Estado (através deste Governo) for condenado em três instâncias a indemnizar Santo Tirso, a Lei que criou o Município da Trofa poder-se-á transformar na lei mais cara de sempre em Portugal (seis milhões de euros), já que desconhecemos que alguma vez o Estado tenha sido condenado por aprovar uma lei ilegal. 

O parecer de Almeida Santos – O presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos, no despacho que admitiu o Projecto de Lei dos Deputados do Partido Popular, sobre a criação do Município da Trofa, refere que a Lei 142/85 é lei de valor reforçado (cfr. fls 83 n.º).  

Esse despacho corporiza dever acrescido de cuidado dos Senhores Deputados na aprovação da Lei de Criação do Município da Trofa e a sua conformidade com a Lei 142/85, referindo o seguinte: «…que podem estar feridos de ilegalidades (os projectos de lei de criação de vários municípios, incluíndo o da Trofa), por não respeitarem os factores de decisão e demais formalismos previstos na Lei Quadro de Novos Municípios…».  

O Presidente da República, muito a propósito da criação do MT, enviou à Assembleia da República uma mensagem, onde afirma que a Lei 142/85 é lei de valor reforçado (fls. 56 n.º). 

PSD, CDS-PP e PCP foram favoráveis – «…Todo o processo legislativo na AR foi marcado pelo tempo político em ordem ao sucesso legislativo dos três projectos de lei de criação do MT. Esse tempo político iniciou-se em 06/02/1998, com o primeiro projecto-lei — do Partido Popular, logo seguido, ainda em Fevereiro de 1998, de projectos de lei do Partido Social Democrata e do Partido Comunista Português —, para culminar, após a necessária audição da CMST, das oito assembleias de freguesia e da assembleia municipal, no plenário da AR num único dia, o dia 19/11/1998, com as votações dos três projectos — generalidade, especialidade e final global — a ocorrerem no plenário, sem nunca terem descido à Comissão (parlamentar) de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente — só para aperfeiçoamento e suprimento de omissões, face ao disposto no art.º 168 n.º 4 da CRP (a fls. 69 v.º consta requerimento de vários Senhores Deputados para que a votação na especialidade fosse avocada pelo plenário da AR, quando mal teria sido tal votação não ter sido realizada no plenário, já que o art. 168 n.º 4 da CRP estabelece que as votações na especialidade dos assuntos de criação de municípios têm obrigatoriamente de ser feitos no plenário…». 

Valeu a pena lutar por esta decisão, de todo inédita, já que não há memória do Estado Português ter sido assim responsabilizado. Recorde-se que esta decisão do Tribunal Constitucional é tomada quase dez anos depois de a Câmara Municipal ter accionado o Estado e mais de 12 anos após a criação do novo concelho.

Artigo AnteriorPróximo Artigo

2 comentários

  1. De nada resolve esta sentença, sai sempre dos bolsos dos contribuinte e não de quem fez com que tudo isto vie-se a acontecer. Vivo na trofa, mas já paguei bem caro o mal da separação dos dois concelhos.
    Senão vejam, a camara de santo tirso vingativa, não nos dá os projectos para resolver os nossos problemas, cerca de 8000 fogos na trofa não têem licença de habitação, logo não pagam IMI, a camara da trofa nascida a favor para que o Dr, benardino que concorreu a santo tirso e nunca ganhou, ganhar com a criação da trofa de uma maneira leviana pelo então marques mendes (tanto de pequeno como de intelegênçia).
    Agora leva-mos com uma Srª Pasteleira Vingativa sem caracter, sem capacidade mental. É os politicos que temos. E nós contribuintes continua-mos a pagar as asneiras deles. Portugueses precisa-mos de outro 25 de abril.

  2. ora cá vem uma decisão no tempo devido. Mesmo a portuguesa`. E o desgraçado de país que temos.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *