No próximo dia 6 de Dezembro, às 18h00, é inaugurada na Biblioteca Municipal Rocha Peixoto, na Póvoa de Varzim, a exposição Da Escrita à Figura – Desenhos da Colecção de Serralves comissariada por João Fernandes. Esta exposição surge na sequência do Protocolo de Colaboração assinado este ano entre a Fundação de Serralves e a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, que adquiriu assim o estatuto de Fundador de Serralves.
Os trabalhos reunidos nesta exposição exemplificam diversas atitudes singulares em relação ao desenho por parte de artistas que o utilizam, seja como um suporte de provocação de códigos de comunicação visual como a escrita ou a representação matemática, seja num exercício diarístico e intimista de problematização do retrato e da representação da figura.
Artistas de diferentes tradições, contextos e linguagens confrontam-se ao longo da exposição, suscitando curiosas coincidências ou oposições na sucessão das suas obras.
Num primeiro núcleo, encontramos reunidos trabalhos de Mirta Dermisache, Ana Hatherly, Jorge Pinheiro e António Sena. Os trabalhos de Hatherly e de Dermisache são exemplares de uma relação entre escrita e imagem que, desde inícios do séc. XX, tem redefinido a condição da obra de arte ao longo do século XX, das experiências dos primeiros modernismos até à emergência da poesia visual e da arte conceptual. A letra, a palavra, a frase e o texto tornaram-se suportes da obra de arte, frequentemente espacializadas para além do objecto ou do quadro. Hatherly e Dermisache utilizam a escrita, liberta dos seus significados linguísticos, como suporte de construção da imagem.
No trabalho de Ana Hatherly, o desenho surge como a pura evidência do processo criativo nos seus automatismos, imediatismos e surpresas, mapas de sinais com uma existência paralinguística que se cruzaram com os caminhos da poesia experimental portuguesa, uma das géneses da crítica do objecto e da manifestação do processo junto do espectador, no contexto da história da arte portuguesa do século XX. No caso de Mirta Dermisache, as suas grafias abstractas, reveladas muitas vezes através de edições de artista como jornais e posters, propõem a utopia de um código independente de outros códigos manipulados nas suas convenções ideológicas, como acontece no caso dos órgãos de comunicação social. Alguns dos seus trabalhos apresentados nesta exposição foram realizados no tempo da ditadura argentina, o que lhes conferiu de imediato a conotação subversiva de um confronto com os ditames censórios da época.
Jorge Pinheiro edita na década de 70 o álbum “Quinze ensaios sobre um tema ou Pitágoras jogando xadrez com Marcel Duchamp” (1970-74). Os desenhos minuciosos e meticulosos do artista nele apresentados são editados em “off-set”, reconhecido o rigor da reprodução que esta tecnologia oferece, em relação às técnicas mais artesanais da gravura ou da serigrafia, então mais frequentemente utilizadas em muitas das edições de artista do contexto português. Jorge Pinheiro desenvolve, nestes desenhos, a série de progressão numérica do matemático italiano Fibonacci, a qual possibilita a construção de figuras geométricas, como a espiral. Torna-se curioso o confronto desta experiência de Jorge Pinheiro com as obras do artista italiano Mario Merz, que desenvolve igualmente a espiral como forma construtiva de muitas das suas esculturas, a partir das séries de Fibonacci. Cada um destes “quinze ensaios” é resultante de uma diferente progressão numérica, que se estrutura através de conjuntos de pontos, linhas e curvas que se manifestam como códigos visuais construídos a partir de um conjunto de regras bem definidas. O título do álbum associa Pitágoras a Duchamp, numa conjugação irónica de referências entre um dos nomes fundamentais da história da reflexão matemática e um dos nomes fundamentais da arte do século XX, inventor do “ready made”, igualmente reconhecido pela sua prática do xadrez, jogo que, como é sabido, engendra a possibilidade de um conjunto infinito de jogadas a partir de um conjunto de regras finito. A série de Fibonacci não deixa de desempenhar o papel de um “ready made” assistido nesta sua singular manifestação.
Na obra de António Sena, o desenho é revisitado a partir da inscrição, rasura, composição, evidência e ocultação de uma complexa cartografia de marcas, sinais, escritas e representações. A obra de Sena introduz referências onde a representação de signos identificáveis origina uma objectividade surpreendente num processo de apropriação de registos do quotidiano. Numa série de trabalhos de finais da década de 70, o artista apresenta gráficos de barras cujas coordenadas e abcissas resultam em ritmos de alturas e densidades variadas, estatísticas abstractas sem referentes, cuja mensurabilidade se regista através de números, linhas, notas dispersas, rasuras e grafias para além de qualquer legibilidade. Os contrastes entre claro e escuro, a diversidade dos ritmos gráficos, a inesperada emergência da cor combinada com a omnipresença da grafite, atingem o calor de um efeito barroco inusitado numa aparente linguagem fria e abstracta. A presença subjectiva e irregular da mão, do gesto sobre a folha de papel, sobrepõe-se à pretensa objectividade de uma forma de representação.
Num outro núcleo da exposição encontramos desenhos da autoria de Sigmar Polke. São trabalhos de natureza quase diarística, registos de ideias e de projectos marcados frequentemente pelo humor e pela irisão. Os desenhos de Polke, provenientes dos seus cadernos de notas de finais da década de 60, constituem anotações de projectos que nessa altura o artista concretizaria nas suas pinturas ou esculturas subversivas e irreverentes, como acontece no caso do projecto da sua famosa “Casa de Batatas”, aqui apresentado.
Esta exposição fica patente na Biblioteca Municipal Rocha Peixoto, na Póvoa de Varzim, até ao dia 10 de Janeiro.
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