O 25 de Abril faz agora 50 anos, porque é a visita de Humberto Delgado ao Porto e à Póvoa de Varzim que torna evidente uma mudança que começava a operar-se em Portugal. Os milhares de pessoas que saíram à rua no decorrer dessa visita ao norte, como documentam fotografias da época, na demonstração de um claro movimento popular espontâneo numa altura em que não havia os méis de comunicação de que hoje dispomos, são, para José Carlos de Vasconcelos, o prenúncio do desejo de mudança que atravessava a sociedade portuguesa, já nos anos 50. O jornalista e comentador político falava ontem na Biblioteca Municipal, na apresentação da biografia do General Humberto Delgado, escrita pelo seu neto, Frederico Delgado Rosa, que a esta obra dedicou sete anos de trabalho.
Pela Póvoa o general Humberto Delgado passou no dia 16 de Maio de 1958, em plena campanha eleitoral, para depor uma coroa de flores no monumento aos mortos da Grande Guerra e a cidade, 50 anos depois, recordou esta data histórica com a excelente apresentação de Humberto Delgado – Biografia do General Sem Medo. A filha, Iva Delgado, e o neto, Frederico Delgado Rosa, que viria a fazer uma brilhante retrospectiva da vida do avô, assistiram com emoção aos testemunhos de cinco poveiros, recolhidos em vídeo, que participaram na visita de Humberto Delgado à Póvoa: Fernando Linhares, que na altura tinha 38 anos e que fazia parte da candidatura local do General; Armando Marques, que aos 29 anos assistiu à chegada de Humberto Delgado ao lado do então presidente da Câmara, o Major Mota; Manuel Silva Pereira, então com 30 anos, que se recorda de terem recebido, na véspera, panfletos de propaganda a favor de Américo Tomás; Fernando Alves, que relatou o entusiasmo da multidão e a presença de dois autocarros, um com agentes da Psp, outro com indivíduos à paisana e a forma como estes viriam a intervir para dispersar a manifestação de apoio ao General; e Neca Morim, que tirou a excelente fotografia em que se vê Humberto Delgado, depois da deposição da coroa de flores no monumento. Esta foi uma das muitas que Neca Morim tirou nesse dia, sempre escondendo a máquina depois de cada fotografia, com medo que a polícia o apanhasse. Testemunhos de um dia que marcou também o próprio Humberto Delgado, como contou Iva Delgado, revelando que, não tinha acompanhado o pai nessa deslocação ao norte do país, mas que se recordava bem de, já em família, e enquanto contava como tinha corrido a sua deslocação ao Porto e à Póvoa, ele ter dito: “prometi aos poveiros que a Póvoa de Varzim será a primeira terra que visito depois de ganhar as eleições”.
Humberto Delgado sabia, no entanto, que não iria ganhar as eleições, porque estas eram fraudulentas e se destinavam a perpetuar o poder vigente. O que não sabia era que viria a ser assassinado, na sequência de uma cilada, juntamente com a sua secretária, em Espanha, perto de Vila Nueva del Fresno. Mas, para trás ficou um percurso de vida marcante, brilhantemente narrado por Frederico Delgado Rosa que, com recurso a fotografias da época, algumas das quais desconhecidas do público, recordou a vida e a personalidade de Humberto Delgado. Ele, que se dedicou como ninguém a estudar a vida do avô, tendo editado uma obra que é um notável exemplo de pesquisa e em que defende a tese de que Humberto Delgado terá sido assassinado de forma violenta, com golpes na cabeça, e não com um tiro, como sempre se afirmou. Pela exposição de Frederico Rosa na Biblioteca passou ontem, também, o retrato dos dias de silêncio num país que vivia sob uma ditadura e o sonho de um homem de mudar tudo e de abrir Portugal ao mundo.
Como se este período da História recente do país fosse um conto que se conta a uma plateia onde estão pessoas que conhecem mais um bocadinho desse mesmo conto. Assim foi a exposição de Frederico Delgado Rosa. Rica de pormenor, corroborada por tantas das pessoas que foram assistir ao lançamento do seu livro, importante para esclarecer e lembrar um pedaço de História que não se quer repetir.
Empenhado em dar a conhecer a figura do seu avô, o seu papel na vida política portuguesa nos anos 50 e 60 e em esclarecer toda a história em torno da sua morte, Frederico Delgado Rosa prepara-se agora para escrever um novo livro, onde explora o período de sete meses que o General passou na Argélia, de meados de 1964 até ao início de 1965. Este período em que Humberto Delgado viveu na Argélia mereceu um capítulo no livro Humberto Delgado – Biografia do General Sem Medo, e, de acordo com o autor, “Sem dúvida que poderá haver um outro livro sobre esta matéria, aliás a semente está lançada também na Argélia para a publicação de um novo livro”.
A localização de toda a documentação que Humberto Delgado deixou ficar na Argélia, depois de ter sido assassinado em Espanha em 1965, “é um dos grandes mistérios por resolver”, segundo Frederico Delgado Rosa, que nasceu em 1969 e é licenciado em Etnologia pela Universidade de Paris X, tendo publicado antes um outro livro sobre o avô – Humberto Delgado e a aviação civil.
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